Que tal uma biblioteca onde os usuários escrevem as obras que compõem o acervo? Você percorre as estantes e em cada livro, periódico e obra de referência está lá o seu nome como co-autor. Naquele livro sobre o bibliotecário na sociedade da informação tem um capítulo de sua autoria, no livro de culinária tem uma receita de bolo que a sua mãe inventou, a definição do termo "Biblioteca" naquele dicionário é contribuição sua.
Soa estranho? Pois pode ser menos estranho do que parece!
Se na realidade material das bibliotecas as dificuldades editoriais impedem a manifestação coletiva de autoria, na realidade dinâmica da internet esses obstáculos simplesmente não existem. Muito pelo contrário, em oposição à grande dificuldade colaborativa do plano cartesiano, a estrutura fractal da web tem seguido uma clara tendência à colaboração.
Isso pode ser notado no desenvolvimento da blogosfera. Desde que surgiram os blogs a comunicação no mundo digital foi drasticamente alterada. De diários virtuais de adolescentes, eles passaram a ser considerados uma mídia independente e muitos são editados por jornalistas, cientistas, escritores, advogados, bibliotecários* e outros profissionais, muitas vezes em equipes. Em geral são blogs informativos, de opinião ou filtro e vem desempenhando o importante papel de observatório da imprensa e de divulgação de idéias e assuntos pouco abordados na mídia mainstream.
Muitos pesquisadores utilizam blogs para comunicar suas idéias. O que, numa comparação com a linguagem acadêmica, pode ser considerado a literatura cinzenta do universo virtual. Também tornou-se comum uso de blogs na comunicação institucional. Empresas de software utlizam blogs para divulgação das atualizações de seus produtos (esse tipo de blog tem sido muito usado como fonte de informação para a imprensa) e mesmo os diários virtuais de adolescente se desenvolveram e hoje em dia existe uma imensa rede de blogs literários que em alguns casos acabam publicados como livros.
Essas comunidades seguem naturalmente padrões de colaboração: a maioria dos blogs tem links para comentários, onde qualquer internauta pode registrar sua opinião, que fica visível aos visitantes do blog; As seções de links externos em geral conectam outros blogs sobre o mesmo assunto, criando assim categorizações naturais e comunidades, as blogosferas.
Mas os blogs não são a única estrutura de colaboração na web. Um novo conceito vem ganhando cada vez mais destaque por sua capacidade colaborativa, os wikis.
Os wikis elevaram a possibilidade de colaboração na internet, da forma passiva, adotada pelos blogs, para a forma ativa. Com eles é possivel não somente criar e editar páginas, mas também editar páginas criadas por outras pessoas, alterando diretamente o texto e discutindo as alterações. O principal wiki em atividade é a Wikipédia, uma enciclopédia virtual criada e atualizada pelos próprios usuários. A wikipédia já é a enciclopédia mais extensa da atualidade, com verbetes em mais de 80 idiomas.
No entanto, são justamente os fatores que os distinguem das outras iniciativas de colaboração que geram as principais críticas a seu respeito. Os wikis diluiram o sentido da autoria. Seu conteúdo é inteiramente coletivo e muitas vezes anônimo. Isso acaba comprometendo sua confiabilidade como fonte de informação.
A discussão sobre a validade da wikipédia como fonte de informação é prolífica e apresenta pontos de vistas muito interessantes sobre as tendências da web. Eu gostaria de destacar dois artigos sobre esse assunto, publicados em blogs de bibliotecários norte-americanos e que representam bem as duas principais linhas de argumentação envolvidas nessa discussão. O Free Range Librarian, de Karen Schneider e a resposta de Luke Rosenberger no Librarian By Request (lbr).
Enquanto um toma por base a falta de confiabilidade da Wikipédia para não recomendar o seu uso como fonte de informação para pesquisa, o outro ressalta as possibilidades de seu uso para a educação dos usuários e o desenvolvimento de habilidades críticas, que progressivamente tornarão seu conteúdo mais confiável.
Dentro dessas perspectivas, os wikis vem se desenvolvendo rapidamente e já são usados internamente por empresas para formar bases de dados de sua documentação e fomentar a discussão dos processos. Outro uso interessante para os wikis é a documentação das impressões coletivas sobre eventos, como na experiência de Meredith Farkas com o wiki que desenvolveu para documentar a conferência anual da American Library Association (ALA).
As possibilidades de uso para os wikis são tão abrangentes quanta a sua dinâmica de atualização. Acredito que possamos fazer bom proveito desse conceito revolucionário, tanto para instigar a necessidade de critérios para a avaliação de fontes de informação, quanto para gerar boas discussões, expressar opiniões, e desenvolver a qualidade da colaboração na web.
E talvez algum dia seja possível ver nossos nomes estampados nas lombadas dos livros de uma biblioteca, mesmo que virtual.
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*Mais tarde eu escrevo mais sobre blogs de bibliotecários